quarta-feira, 31 de julho de 2013

A morte de Dido

(...)
Ali as cruéis Parcas lhe mostraram
As ilíacas roupas que pendentes
Do tálamo dourado descobriam
O lustroso pavês, a teucra espada.
Com a convulsa mão súbito arranca
A lâmina fulgente da bainha,
E sobre o duro ferro penetrante
Arroja o tenro cristalino peito.
E em borbotões de espuma murmurando
O quente sangue da ferida salta.
De roxas espadanas rociadas
Tremem da sala as dóricas colunas.
Três vezes tenta erguer-se,
Três vezes desmaiada sobre o leito,
O corpo revolvendo, ao céu levanta
Os macerados olhos.
(...)

Correia Garção


"Que há de mais infeliz do que um infeliz que não sente a sua infelicidade e chora a morte de Dido, que se consumava amando Eneias (...) Não chorava por isto e chorava pela morte de Dido que, com um punhal pusera fim à vida, seguindo eu próprio em direcção ao mais ínfimo da criação, abandonando-te, e, como terra que era, dirigindo-me para a terra. Se me impedissem de ler tais coisas, sofreria, por não poder ler aquilo que me fazia sofrer. Era tal a demência, que eram tidas por mais nobres e mais proveitosas estas letras do que aquelas, com que aprendi a ler e a escrever."

Santo Agostinho, Confissões

6 comentários:

  1. nem um nem outro li, mas gostei, amor, amor... :)

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    1. Há muito tempo que não voltava a este texto de C. Garção, mas tropecei nele hoje por acaso e depois fui-me lembrando de outros relacionados, como este excerto de Santo Agostinho. Mas bom mesmo bom é a descrição da Eneida! =)
      Ainda bem que gostaste, Margarida. =)

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  2. Também não li. Hum, gostei da erudição. :)

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    1. A ideia foi só mesmo partilhar, uma vez que este tipo de coisas não agrada propriamente a toda a gente. Um "amigo" disse-me ontem que era bonito, mas, apesar disso, não gostava muito porque o fazia pensar. xD Haja sinceridade!

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  3. Não conhecia o Correia Garção -sou um inculto, já sei- mas adorei o poema. É muito belo e pictórico, à medida que vais lendo assaltam-te imagens vindas da palavras.

    O segundo texto, talvez por estar fora de contexto, não sei se percebi bem o que é que ele queria dizer XD

    Abraço :)

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    1. Arrakis, t'es fou?! Inculto onde? Lol. Não diga asneiras :)
      O segundo texto foi só uma memória que tive e apeteceu-me partilhá-lo também. Basicamente, é Sto. Agostinho a dizer que quando miúdo se comoveu com a cena da Eneida em que Dido se suicida. Posteriormente essa cena inspirou Correia Garção para a composição daquela cantata.

      Abraço! :)

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